segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Salmo 28: Clamor, resposta e alegria no tribunal divino.

Salmo 28: Clamor, resposta e alegria no tribunal divino.

1A ti eu clamo, Senhor,
Minha Rocha;
Não fiques indiferente para comigo.
Se permaneceres calado, serei como os que descem à cova.
2 Ouve as minhas súplicas quando clamo a ti por socorro,
Quando ergo as mãos para o teu Lugar Santíssimo.

3 Não me dês o castigo reservado para os ímpios
E para os malfeitores,
Que falam como amigos com o próximo,
Mas abrigam maldade no coração.
4 Retribui-lhes conforme os seus atos,
Conforme as suas más obras;
Retribui-lhes pelo que as suas mãos têm feito
E dá-lhes o que merecem.
5 Visto que não consideram os feitos do Senhor,
Nem as obras de suas mãos,
Ele os arrasará
E jamais os deixará reerguer-se.

6 Bendito seja o Senhor,
Pois ouviu as minhas súplicas.

7 O Senhor é a minha força
E o meu escudo;
Nele o meu coração confia,
E dele recebo ajuda.
Meu coração exulta de alegria,
E com o meu cântico lhe darei graças.

8 O Senhor é a força do seu povo,
A fortaleza que salva o seu ungido.
9 Salva o teu povo
E abençoa a tua herança!
Cuida deles como o seu pastor
E conduze-os para sempre.

INTRODUÇÃO

Apesar de não está explicitamente declarado o salmo 28 segue a ideia de um tribunal. A referência a um tribunal religioso é constante em boa parte do livro do salmos (Sl 15, Sl 26, Sl 50, Sl 82). Deus é descrito como um rei Juiz que está sentado em seu trono e julga as causas do seus servos e ao mesmo tempo condena a prática dos ímpios. No salmo 28 a referência ao tribunal está implícita. Talvez possa soar estranho a um leitor contemporâneo, mais para um Judeu do antigo testamento não era. Principalmente para um povo que cria piamente que as leis que regiam suas vidas, a lei mosaica, era de origem divina.



Os versos 1 e 2 são uma apelação ao juiz divino para que ouça a causa de seu servo. Dos versos 3 a 5, O salmista pede que O Senhor seja favorável a sua causa e não lhe trate como os ímpios. Segue-se então uma série de acusações contra a figura dos ímpios, indiretamente o salmista expõe sua integridade moral e procura justificar-se diante do Santo Juiz. A partir do verso 6 há uma descontinuidade no salmo, uma mudança brusca de acusações para uma canção de agradecimento pela resposta favorável do Juiz. No verso 7 há outra ruptura. O verso 6 parece ser o verso final desse salmo, ao passo que os versos 7,8 e 9 aparentemente são um acréscimo posterior ao salmo original. Perceba a mudança brusca do tema do salmo a partir do verso 7. Para alguns parece soar estranho a palavra “acréscimo posterior”, Mas isso é mais comum do que se pensa, pois muitos salmos inicialmente eram petições pessoais que foram adaptados para uso no templo. Nesse processo de adaptação para uso no templo o Eu pessoal e suplicante foi relido, principalmente após o cativeiro babilônico onde boa parte dos salmos foram adaptados, para um Eu coletivo e nacional. O salmo que foi escrito por Davi provavelmente vai a te o verso 6. Os versos 7,8 e 9 foram acrescidos por um levita editor para que a figura de Davi fosse generalizada a figura da nação de Israel, perceba que a linguagem estritamente pessoal que prevalece nos versos iniciais, “Rocha minha”, “não emudeças para comigo”, “minha súplicas”, “Eu levantar minha mãos”, etc., é claramente deixada de lado, a partir do verso 8, por expressões de cunho coletivo e nacionalista como: “força de teu povo”, “salva teu povo”, “abençoa tua herança” e “apascenta-os e exalta-os”. Assim o salmo 28 é possivelmente a Junção de um salmo primitivo escrito por Davi entre 1010 e 980 a.c. e um canto levita após o retorno do cativeiro babilônico por volta 600 a 500 a.c. Apesar da evidente descontinuidade do salmo que leva a possibilidade de uma edição posterior, o Salmo pode ser lido como uma unidade perfeita. O trabalho do editor levita após o cativeiro babilônico mantem uma coerência, apesar da mudança da linguagem pessoal para uma coletiva, mantém-se dentro do contexto da fonte Davídica dando ênfase o a deixando ainda mais sensível.
Retornando ao modelo de um tribunal, da fonte primitiva, Após um acusado ser absorvido em seu julgamento civil-religioso, ele deixava um documento escrito na entrada do tabernáculo como testemunho de sua absolvição. É dentro desse costume que Davi escreve sua poesia, fazendo referência a sua vitória no tribunal divino.

Informações.

Autor: Davi / Editor levita.
Data: entre 1010 e 980 a.c., texto primitivo/ entre 600 e 500 a.c., adição e edição.
Esboço.
I - A Apelação inicial v.1,2
II - A Defesa do salmista e a acusação dos ímpios. V.3,4 e 5
III - Agradecimento e acréscimo. V.6,7,8 e 9.


O COMENTÁRIO DO SALMO.

A apelação inicial

O Salmista inicia esse belo salmo com uma súplica para que sua oração seja ouvida. Mas, muito mais que isso, a 2° e 3° linha poética sugerem que caso Deus não intervisse no caso do salmista ele poderia ser condenado no tribunal divino.

1A ti eu clamo, Senhor,
Minha Rocha;
Não fiques indiferente para comigo.
Se permaneceres calado, serei como os que descem à cova.

A ideia é que a causa do salmista envolvia algo que levaria a sua morte como uma falsa acusação diante de um julgamento civil, caso o salmista fosse condenado sua sentença seria a morte por apedrejamento, ou poderia ser uma enfermidade. Assim a imagem do tribunal seria alegórica, e não literal. O tribunal Divino seria aqui uma referência dramática onde Deus é o juiz que escuta a causa do poeta e a julga, determinando a sentença. É nessa alegoria dramática que acreditamos está inserida essa oração.  Só a intervenção divina poderia ajudar o salmista. Os recursos humanos já haviam se esgotado. Assim o salmista brada mais uma vez em desespero ao Deus de Israel.



2 Ouve as minhas súplicas quando clamo a ti por socorro,
Quando ergo as mãos para o teu Lugar Santíssimo.

O Drama alegórico parece, a partir do verso 2, parece se desenrolar no tabernáculo, ou no templo em Jerusalém. Ali estava o trono de Deus e para o trono do Senhor o salmista estende suas mãos de forma suplicante esperando que YHWH tivesse piedade dele, sendo favorável a sua causa.

A defesa do salmista e acusação do ímpios

A morte era a pena mais temida nos tribunais do oriente antigo. Nem toda sentença era a de morte, porém aparentemente o salmista estava passando por alguma enfermidade que o poderia levar a morte. Assim o salmista clama diante do Senhor.

3 Não me dês o castigo reservado para os ímpios
E para os malfeitores,
Que falam como amigos com o próximo,
Mas abrigam maldade no coração.

O Poeta agora começa a expor sua integridade diante de YHWH. Ao mesmo tempo acusa os ímpios no tribunal divino. No A.T. testamento, a integridade moral era condição para que as orações fossem ouvidas. Assim o salmista dispara acusações contra os ímpios, e indiretamente coloca diante de YHWH sua integridade moral.

4 Retribui-lhes conforme os seus atos,
Conforme as suas más obras;
Retribui-lhes pelo que as suas mãos têm feito
E dá-lhes o que merecem.
5 Visto que não consideram os feitos do Senhor,
Nem as obras de suas mãos,
Ele os arrasará
E jamais os deixará reerguer-se.

A imprecação, ou juramento de maldição litúrgica, era uma prática comum tanto no contexto de Israel (Js 7.25, o caso de Acã). Assim não devemos estranhar as palavras de maldição contra os ímpios proferidas nos versos 4 e 5, pois eram elemento comuns tanto no contexto de Israel quanto no contexto do antigo oriente.

Agradecimento e Acréscimo

O Verso 6 é o mais complicado do salmo, no sentido de crítica da fonte, Pois ele quebra a continuidade da oração de imprecação dos versos anteriores. Ficando complicado entende-lo como um epilogo do salmo original de Davi (século X a.c.) ou como prólogo da inserção (século VI a.c.) por parte do editor levita. Pela quebra de continuidade novamente do salmo no verso 7, preferimos entende-lo como um epílogo do salmo anterior primitivo. Assim Davi expressa a certeza de absolvição no tribunal divino, Pois Deus manifestou-se favorável a sua causa mortal. De posse de vitória o salmista glorifica e Bendiz ao Deus de Israel.   

6 Bendito seja o Senhor,
Pois ouviu as minhas súplicas.

O Salmo primitivo de Davi se encerra no verso 6. A partir de agora o Editor do período do pós cativeiro conjuga outro salmo ao verso 6 com a finalidade de que a oração de Davi fosse generalizada a um canto nacional. De sorte que a enfermidade de Davi era equivalente a enfermidade do povo de Israel. Da mesma forma a petição de Davi no tribunal divino agora era a petição de todo o povo. Mas tal inserção não é feita de forma brusca e sem esmero. Pelo contrário o editor pega gancho nas expressões pessoais de Davi e continua o salmo continuando a oração de agradecimento do verso 6.

7 O Senhor é a minha força
E o meu escudo;
Nele o meu coração confia,
E dele recebo ajuda.
Meu coração exulta de alegria,
E com o meu cântico lhe darei graças.

Perceba que O drama muda de cenário. Não temos mais um servo suplicante no tribunal divino, Mas um guerreiro vitorioso numa batalha e que expressa sua confiança no senhor, seu escudo na batalha, a força de seus braços na luta da oração, o reforço quando a luta estava apertada. A alegria pela prece ouvida e respondida é tão grande que não há como conter. Então o coração transborda de Louvor e os Lábio são inundados. A ação de graças é uma torrente, um manancial de Louvor ao Deus de Israel.

8 O Senhor é a força do seu povo,
A fortaleza que salva o seu ungido.
9 Salva o teu povo
E abençoa a tua herança!
Cuida deles como o seu pastor
E conduze-os para sempre.

Perceba a mudança da linguagem pessoal dos versos 7 para uma linguagem coletiva nos versos 8 e 9. Há um convite expresso por parte desse salmo a toda comunidade de Israel no pós exilio a louvar ao Senhor que teve misericórdia de Davi, “seu ungido”, e terá de todo o seu povo Israel, “A herança de YHWH”, o rebanho de Deus. Assim o editor conclui seu acréscimo convidando o povo a confiar em Deus, da mesma forma que Davi confiou, pois o Senhor escuta as orações de seu povo.

CONCLUSÃO.


Esse canto foi muito usado nas festas sagradas de Israel depois do cativeiro. O exemplo de Davi que confiou no Senhor e buscou no tribunal divino a solução para sua causa era um exemplo vivo e claro para que todo Israel confiasse no Senhor. Da mesma forma nós, servos contemporâneos. Podemos confiar na resposta da boca de Deus, e aprender a levar ao tribunal divino todas as nossas causas. Assim poderemos sair vitoriosos, como um herói de guerra que celebra a Deus pela vitória conquistada através da oração.