Salmo 28: Clamor, resposta e
alegria no tribunal divino.
1A ti eu
clamo, Senhor,
Minha Rocha;
Não fiques indiferente para comigo.
Se permaneceres calado, serei como os que descem à
cova.
2 Ouve
as minhas súplicas quando clamo a ti por socorro,
Quando ergo as mãos para o teu Lugar Santíssimo.
3 Não me
dês o castigo reservado para os ímpios
E para os malfeitores,
Que falam como amigos com o próximo,
Mas abrigam maldade no coração.
4 Retribui-lhes
conforme os seus atos,
Conforme as suas más obras;
Retribui-lhes pelo que as suas mãos têm feito
E dá-lhes o que merecem.
5 Visto
que não consideram os feitos do Senhor,
Nem as obras de suas mãos,
Ele os arrasará
E jamais os deixará reerguer-se.
6 Bendito
seja o Senhor,
Pois ouviu as minhas súplicas.
7 O
Senhor é a minha força
E o meu escudo;
Nele o meu coração confia,
E dele recebo ajuda.
Meu coração exulta de alegria,
E com o meu cântico lhe darei graças.
8 O
Senhor é a força do seu povo,
A fortaleza que salva o seu ungido.
9 Salva
o teu povo
E abençoa a tua herança!
Cuida deles como o seu pastor
E conduze-os para sempre.
INTRODUÇÃO
Apesar de não está
explicitamente declarado o salmo 28 segue a ideia de um tribunal. A referência
a um tribunal religioso é constante em boa parte do livro do salmos (Sl 15, Sl
26, Sl 50, Sl 82). Deus é descrito como um rei Juiz que está sentado em seu
trono e julga as causas do seus servos e ao mesmo tempo condena a prática dos
ímpios. No salmo 28 a referência ao tribunal está implícita. Talvez possa soar
estranho a um leitor contemporâneo, mais para um Judeu do antigo testamento não
era. Principalmente para um povo que cria piamente que as leis que regiam suas
vidas, a lei mosaica, era de origem divina.
Os versos 1 e 2 são uma
apelação ao juiz divino para que ouça a causa de seu servo. Dos versos 3 a 5, O
salmista pede que O Senhor seja favorável a sua causa e não lhe trate como os ímpios.
Segue-se então uma série de acusações contra a figura dos ímpios, indiretamente
o salmista expõe sua integridade moral e procura justificar-se diante do Santo
Juiz. A partir do verso 6 há uma descontinuidade no salmo, uma mudança brusca
de acusações para uma canção de agradecimento pela resposta favorável do Juiz.
No verso 7 há outra ruptura. O verso 6 parece ser o verso final desse salmo, ao
passo que os versos 7,8 e 9 aparentemente são um acréscimo posterior ao salmo
original. Perceba a mudança brusca do tema do salmo a partir do verso 7. Para
alguns parece soar estranho a palavra “acréscimo posterior”, Mas isso é mais
comum do que se pensa, pois muitos salmos inicialmente eram petições pessoais
que foram adaptados para uso no templo. Nesse processo de adaptação para uso no
templo o Eu pessoal e suplicante foi relido, principalmente após o cativeiro
babilônico onde boa parte dos salmos foram adaptados, para um Eu coletivo e
nacional. O salmo que foi escrito por Davi provavelmente vai a te o verso 6. Os
versos 7,8 e 9 foram acrescidos por um levita editor para que a figura de Davi
fosse generalizada a figura da nação de Israel, perceba que a linguagem
estritamente pessoal que prevalece nos versos iniciais, “Rocha minha”, “não
emudeças para comigo”, “minha súplicas”, “Eu levantar minha mãos”, etc., é
claramente deixada de lado, a partir do verso 8, por expressões de cunho
coletivo e nacionalista como: “força de teu povo”, “salva teu povo”, “abençoa
tua herança” e “apascenta-os e exalta-os”. Assim o salmo 28 é possivelmente a
Junção de um salmo primitivo escrito por Davi entre 1010 e 980 a.c. e um canto
levita após o retorno do cativeiro babilônico por volta 600 a 500 a.c. Apesar
da evidente descontinuidade do salmo que leva a possibilidade de uma edição posterior, o Salmo pode ser lido como uma unidade perfeita. O trabalho do
editor levita após o cativeiro babilônico mantem uma coerência, apesar da
mudança da linguagem pessoal para uma coletiva, mantém-se dentro do contexto da
fonte Davídica dando ênfase o a deixando ainda mais sensível.
Retornando ao modelo de um
tribunal, da fonte primitiva, Após um acusado ser absorvido em seu julgamento
civil-religioso, ele deixava um documento escrito na entrada do tabernáculo
como testemunho de sua absolvição. É dentro desse costume que Davi escreve sua
poesia, fazendo referência a sua vitória no tribunal divino.
Informações.
Autor:
Davi / Editor levita.
Data:
entre 1010 e 980 a.c., texto primitivo/ entre 600 e 500 a.c., adição e edição.
Esboço.
I -
A Apelação inicial v.1,2
II
- A Defesa do salmista e a acusação dos ímpios. V.3,4 e 5
III
- Agradecimento e acréscimo. V.6,7,8 e 9.
O COMENTÁRIO DO SALMO.
A apelação inicial
O Salmista inicia esse belo
salmo com uma súplica para que sua oração seja ouvida. Mas, muito mais que isso,
a 2° e 3° linha poética sugerem que caso Deus não intervisse no caso do
salmista ele poderia ser condenado no tribunal divino.
1A ti eu
clamo, Senhor,
Minha Rocha;
Não fiques indiferente para comigo.
Se permaneceres calado, serei como os que descem à
cova.
A ideia
é que a causa do salmista envolvia algo que levaria a sua morte como uma falsa
acusação diante de um julgamento civil, caso o salmista fosse condenado sua
sentença seria a morte por apedrejamento, ou poderia ser uma enfermidade. Assim
a imagem do tribunal seria alegórica, e não literal. O tribunal Divino seria
aqui uma referência dramática onde Deus é o juiz que escuta a causa do poeta e
a julga, determinando a sentença. É nessa alegoria dramática que acreditamos está
inserida essa oração. Só a intervenção
divina poderia ajudar o salmista. Os recursos humanos já haviam se esgotado.
Assim o salmista brada mais uma vez em desespero ao Deus de Israel.
2 Ouve
as minhas súplicas quando clamo a ti por socorro,
Quando ergo as mãos para o teu Lugar Santíssimo.
O Drama alegórico parece, a
partir do verso 2, parece se desenrolar no tabernáculo, ou no templo em Jerusalém.
Ali estava o trono de Deus e para o trono do Senhor o salmista estende suas
mãos de forma suplicante esperando que YHWH tivesse piedade dele, sendo
favorável a sua causa.
A defesa do salmista e acusação do
ímpios
A morte era a pena mais temida
nos tribunais do oriente antigo. Nem toda sentença era a de morte, porém
aparentemente o salmista estava passando por alguma enfermidade que o poderia
levar a morte. Assim o salmista clama diante do Senhor.
3 Não me
dês o castigo reservado para os ímpios
E para os malfeitores,
Que falam como amigos com o próximo,
Mas abrigam maldade no coração.
O
Poeta agora começa a expor sua integridade diante de YHWH. Ao mesmo tempo acusa
os ímpios no tribunal divino. No A.T. testamento, a integridade moral era
condição para que as orações fossem ouvidas. Assim o salmista dispara acusações
contra os ímpios, e indiretamente coloca diante de YHWH sua integridade moral.
4 Retribui-lhes
conforme os seus atos,
Conforme as suas más obras;
Retribui-lhes pelo que as suas mãos têm feito
E dá-lhes o que merecem.
5 Visto
que não consideram os feitos do Senhor,
Nem as obras de suas mãos,
Ele os arrasará
E jamais os deixará reerguer-se.
A imprecação, ou juramento de
maldição litúrgica, era uma prática comum tanto no contexto de Israel (Js 7.25,
o caso de Acã). Assim não devemos estranhar as palavras de maldição contra os ímpios
proferidas nos versos 4 e 5, pois eram elemento comuns tanto no contexto de Israel
quanto no contexto do antigo oriente.
Agradecimento e Acréscimo
O Verso 6 é o mais complicado
do salmo, no sentido de crítica da fonte, Pois ele quebra a continuidade da
oração de imprecação dos versos anteriores. Ficando complicado entende-lo como
um epilogo do salmo original de Davi (século X a.c.) ou como prólogo da
inserção (século VI a.c.) por parte do editor levita. Pela quebra de
continuidade novamente do salmo no verso 7, preferimos entende-lo como um epílogo
do salmo anterior primitivo. Assim Davi expressa a certeza de absolvição no
tribunal divino, Pois Deus manifestou-se favorável a sua causa mortal. De posse
de vitória o salmista glorifica e Bendiz ao Deus de Israel.
6 Bendito
seja o Senhor,
Pois ouviu as minhas súplicas.
O Salmo primitivo de Davi se encerra no verso 6. A
partir de agora o Editor do período do pós cativeiro conjuga outro salmo ao
verso 6 com a finalidade de que a oração de Davi fosse generalizada a um canto
nacional. De sorte que a enfermidade de Davi era equivalente a enfermidade do
povo de Israel. Da mesma forma a petição de Davi no tribunal divino agora era a
petição de todo o povo. Mas tal inserção não é feita de forma brusca e sem
esmero. Pelo contrário o editor pega gancho nas expressões pessoais de Davi e
continua o salmo continuando a oração de agradecimento do verso 6.
7 O
Senhor é a minha força
E o meu escudo;
Nele o meu coração confia,
E dele recebo ajuda.
Meu coração exulta de alegria,
E com o meu cântico lhe darei graças.
Perceba que O drama muda de cenário. Não temos mais
um servo suplicante no tribunal divino, Mas um guerreiro vitorioso numa batalha
e que expressa sua confiança no senhor, seu escudo na batalha, a força de seus
braços na luta da oração, o reforço quando a luta estava apertada. A alegria
pela prece ouvida e respondida é tão grande que não há como conter. Então o
coração transborda de Louvor e os Lábio são inundados. A ação de graças é uma
torrente, um manancial de Louvor ao Deus de Israel.
8 O
Senhor é a força do seu povo,
A fortaleza que salva o seu ungido.
9 Salva
o teu povo
E abençoa a tua herança!
Cuida deles como o seu pastor
E conduze-os para sempre.
Perceba a mudança da linguagem
pessoal dos versos 7 para uma linguagem coletiva nos versos 8 e 9. Há um convite
expresso por parte desse salmo a toda comunidade de Israel no pós exilio a
louvar ao Senhor que teve misericórdia de Davi, “seu ungido”, e terá de todo o
seu povo Israel, “A herança de YHWH”, o rebanho de Deus. Assim o editor conclui
seu acréscimo convidando o povo a confiar em Deus, da mesma forma que Davi
confiou, pois o Senhor escuta as orações de seu povo.
CONCLUSÃO.
Esse canto foi muito usado nas
festas sagradas de Israel depois do cativeiro. O exemplo de Davi que confiou no
Senhor e buscou no tribunal divino a solução para sua causa era um exemplo vivo
e claro para que todo Israel confiasse no Senhor. Da mesma forma nós, servos contemporâneos.
Podemos confiar na resposta da boca de Deus, e aprender a levar ao tribunal
divino todas as nossas causas. Assim poderemos sair vitoriosos, como um herói de
guerra que celebra a Deus pela vitória conquistada através da oração.